Você conhece alguma criança muito desajeitada? Que cai a toda hora, derruba objetos, derrama líquidos no chão e tem dificuldades de realizar tarefas do dia a dia?
É normal que as crianças sejam um pouco desastradas mesmo. Mas, em uma minoria dos casos, aquelas mais desajeitadas podem sofrer de “transtorno do desenvolvimento da coordenação” (TDC).
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“Toda criança cai, se machuca e derruba coisas. Mas o TDC interfere muito na vida, muda o humor e a impede de fazer atividades cotidianas”, diz a terapeuta ocupacional Mari Lacerda, que falou sobre o assunto no 2º Congresso Online de Estimulação e Desenvolvimento Infantil, na última quarta-feira.
O indivíduo que sofre desse transtorno pode ter problemas tanto em movimentos de coordenação motora grossa, como correr e subir escadas, quanto nos de coordenação fina, como abotoar uma blusa, amarrar um cadarço ou segurar um lápis. “Eles também podem apresentar dificuldades em atividades que envolvam o uso dos dois lados do corpo ou que exijam mudanças constantes de posição, como jogar futebol ou usar o garfo e faca ao mesmo tempo”, afirma Mari. Essas dificuldades implicam em um emprego elevado de tempo e esforço, resultando, muitas vezes, em frustração na criança.
O TDC atinge 5% a 6% das crianças em idade escolar, mais frequentemente meninos. “Tem muito mais criança com o transtorno do que a gente imagina”, diz Mari. Mas é bom frisar: nem todo desastrado tem TDC.
As causas são desconhecidas e ainda não foram identificados fatores genéticos. “Mas, na prática, vemos repetição de casos em uma mesma família”, diz a terapeuta.
Um fator que favorece o aparecimento do TDC é um dos males dos tempos modernos, o sedentarismo. Hoje em dia as crianças brincam menos e fazem menos atividades que envolvem movimentos de coordenação grossa. “Elas estão muito protegidas. É preciso deixá-las experimentar, dar liberdade a elas”, diz Mari.
Saiba mais sobre como identificar uma criança com TDC e ajudá-la a superar o transtorno, de acordo com a terapeuta Mari Lacerda.
Características de uma criança com TDC:
– Pode apresentar pequenos atrasos em atividades como andar de triciclo (velotrol), de bicicleta ou agarrar uma bola.
– Apresenta dificuldades em atividades cotidianas, como tomar banho, escovar os dentes, vestir as roupas e arrumar mochila. Não consegue completar as atividades dentro de um limite de tempo.
– A criança não necessariamente tem problemas em outras áreas de aprendizado, como linguagem e matemática. Mas ela pode apresentar dificuldades na escrita, por exemplo, porque essa é uma atividade que exige movimentos coordenados. “Isso pode gerar angústia e constrangimento na criança”, diz Mari.
– Pode regredir em alguma habilidade já adquirida.
– Pode ter postura ou equilíbro ruim.
– Parece desinteressada ou evita atividades que requerem mais esforço.
– A criança com TDC não tem atrasos cognitivos, de aprendizado ou de compreensão. Ela percebe quando não está fazendo bem alguma tarefa.
– Sente medo de despertar a reprovação dos adultos à sua volta. Por isso, é recomendado não forçá-la a praticar uma atividade na qual apresenta dificuldade.
– Pode ter auto-estima baixa e problemas de socialização.
– Sente insatisfação com trabalhos escolares. Apaga e refaz a tarefa várias vezes.
– É resistente a mudanças de rotina, porque a repetição de tarefas e atividades que ela já conhece e sabe fazer a deixa confortável.
– Tem dificuldade em equilibrar velocidade com a exatidão no decorrer de uma atividade. Por exemplo, ela pode ter uma letra bonita, mas demorar muito para conseguir escrever.
– Distrai-se com facilidade, porque demora para completar a tarefa e sente-se frustrada.
– Tem dificuldade de se organizar. Não consegue deixar a escrivaninha arrumada ou tem dificuldade em organizar o espaço da tarefa escolar no papel.
Diagnóstico
– Deve ser feito por um neurologista ou neuropediatra, que vai identificar e descartar transtornos comportamentais ou físicos. Esse problema muitas vezes é confundido com transtorno do déficit de atenção com Hiperatividade (TDAH). Esse distúrbio pode aparecer concomitantemente, mas não é a causa do TDC.
Tratamento
– É feito com um terapeuta ocupacional, que ajuda a estabelecer quais são as atividades mais difíceis e treina a criança, adapta a atividade ou o ambiente no qual ela é realizada. Também desenvolve novas estratégias para o cumprimento das tarefas.
– O terapeuta pode observar a criança na escola. Ele vai verificar se ela fica em uma posição dentro de sala de aula que facilite os trabalhos. Por exemplo, se o aluno precisa levantar com frequência para buscar um material. Ele também vai checar se a postura da criança está adequada, com pés e antebraços apoiados e ombros relaxados.
O que os pais podem fazer?
– Encoraje a prática de jogos e atividades que a criança já sabe fazer. Enfatize a diversão, não a competição.
– Se a criança vai começar a praticar uma nova atividade, pratique antes em casa. Ou proporcione aulas particulares ou em grupos menores primeiro.
– Reveja as regras e rotinas da casa e envolva a criança nessas decisões. Reorganize-as para dar mais tempo da criança cumprir as tarefas.
– Não grite quando ela tiver dificuldades. Ajude-a fazendo perguntas sobre as atividades.
– Elogie a criança quando ela estiver indo bem. Reconheça e reforce seus pontos positivos.
– Encoraje a prática de atividades artísticas.
– Incentive o uso de roupas fáceis de vestir e tirar, como calça de elástico, tênis com velcro e camiseta de malha.
– Ensine-a a manejar os objetos ou a realizar uma atividade quando estiver com tempo e paciência, como no fim de semana ou nas férias.
– Estimule-a a ajudar em casa, arrumando a mesa, preparando seu lanche e organizando a mochila da escola. Ajude-a a se planejar. Desmembre as tarefas. Se ela vai ajudar a arrumar a mesa, por exemplo, peça primeiro para ela apenas colocar os copos. Quando ela estiver fazendo isso direitinho, peça para colocar os talheres também. E assim por diante.
– Estabeleça metas realistas e de curto prazo.
Foto: Romana Klee /