Um em cada nove pediatras ouvidos pela pesquisa “O impacto da covid-19 na saúde das gestantes, novas mães e seus filhos”, divulgada nesta quarta-feira (19), dizem que as crianças apresentaram alterações de comportamento durante a pandemia de coronavírus. Os dados são da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Federação das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
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O levantamento, realizado por meio de questionário online entre 20 de julho e 16 de agosto, contou com a participação de 1.525 profissionais, sendo 951 pediatras e 574 ginecologistas e obstetras de todo o País. A pesquisa identificou também alterações de humor nos pequenos. Segundo 75% dos médicos, as crianças passaram de felizes e ativas para taciturnas e retraídas. Em seguida, veio ansiedade, irritabilidade, depressão, agitação, insônia, tristeza, agressividade e aumento de apetite.
Alterações da rotina, falta da escola e da convivência com os colegas, e necessidade de isolamento social imposta pela pandemia estão entre os fatores que explicam as mudanças de comportamento das crianças, de acordo com a presidente da SBP, Luciana Rodrigues Silva. A violência doméstica é outro fator que preocupa os profissionais. “Com o confinamento, muitos pediatras têm relatado aumento dos casos de violência contra a criança e o adolescente”, afirma.
A especialista observa que o uso excessivo de telas afeta também influencia nessa mudança e explica que brincadeiras e tarefas domésticas em conjunto, como cozinhar, podem ajudar as crianças nesse processo.
Outro aspecto que preocupa os pediatras é a falta de vacinação durante a quarentena. Na pesquisa, 73% dos pediatras disseram ter a percepção de que as crianças deixaram de ser vacinadas nesse período. “As mães estão com medo do contágio pelo coronavírus ao procurar os postos de vacinação, mas ficar sem a vacina é um risco ainda maior para as crianças. Há, por exemplo, um avanço nos casos de sarampo no Brasil neste ano, justamente pela queda nos índices de vacinação durante a pandemia”, frisa Luciana Silva.
Atrasos no pré-natal
A pandemia também afetou o comportamento das gestantes. Segundo 52% dos especialistas, as grávidas estão atrasando o início das consultas de pré-natal. Um quinto (20%) relata que elas deixaram de ir ao consultório ou posto de saúde nas datas corretas. Quanto ao acompanhamento, 46% dos médicos dizem que as grávidas tiveram dificuldades de realizar os exames no tempo certo. Além disso, 8% afirmam que elas deixaram de fazê-los nesse período.
O principal motivo, na opinião de 81% dos entrevistados, é o medo da contaminação pelo coronavírus. Grande parte dos profissionais (70%) explica que as gestantes têm medo de uma possível transmissão da covid-19 para o bebê, caso sejam infectadas, e temem que a doença cause má-formação fetal.
O presidente da Febrasgo, César Eduardo Fernandes, esclarece que não existe, até o momento, qualquer evidência de que haja transmissão vertical do coronavírus nem que ele cause defeitos congênitos no feto. “É uma crença equivocada talvez pela associação que muitas possam fazer com o vírus da zika, que assolou o país [entre 2015 e 2016] mais do que qualquer outro do mundo”, diz.
O médico reforça a importância do pré-natal na detecção de doenças. Ele destaca ainda que a própria gestação aumenta as chances de complicações da covid-19, tornando o acompanhamento das mulheres grávidas imprescindível.
“A gestante tem uma dinâmica diferente da mulher não-grávida. A assistência ventilatória de uma grávida, caso precise ser intubada, é muito problemática. O [bebê no] útero dificulta a expansão do diafragma. É preciso uma equipe muito bem capacitada para atendê-la nessas condições”, explica.
Um estudo recente apontou que o Brasil tem 77% das mortes de gestantes e puérperas por covid-19 registradas no mundo.